Uma vez por semana, Cícero e Carla praticavam meditação no modesto templo budista onde Dayalu e outros ascetas ofereciam ensinamentos e práticas guiadas. Nos demais dias, pai e filha faziam seu ritual meditativo em casa.
Era uma ensolarada quinta-feira quando Carla, ao sair da escola, resolveu passar no templo para conversar com Dayalu sobre algumas dúvidas que vinham surgindo em sua mente com frequência.
Ao chegar e entrar na principal sala do pequeno templo, a garota encontrou o aprendiz Guilherme conversando com o asceta responsável pelo templo-escola, um homem em início de sua velhice, que era chamado de Karunamaya.
A jovem Carla sentou-se em uma almofada e acompanhou o diálogo, tal fosse convidada:
“Mestre Karunamaya", dizia o discípulo, "como podemos verdadeiramente compreender a ideia de aceitação e aplicá-la às situações em que as ações das pessoas nos causam desconforto?"
Com uma expressão que refletia a serenidade de mil vidas de sabedoria, o velho homem respondeu "Para o Budismo, a aceitação não é apenas submissão aos desígnios alheios, mas sim uma profunda compreensão da verdadeira essência da existência. O universo, a teia de Indra, está em um fluxo constante, sendo a impermanência causada por esse dinamismo a única certeza."
“Acredito que seu próximo questionamento seja a busca de uma resposta para como podemos integrar essa compreensão em nossas vidas, especialmente quando confrontados com o desconforto causado pelas ações dos outros.”
“Guilherme, o interruptor para acender essa luz está na sala da compaixão" disse ele. "Quando reconhecemos que todos os seres são afligidos pelo sofrimento, incluindo tanto nós quanto aqueles que nos perturbam, conseguimos escolher responder com compaixão ao invés alimentar a ira ou o ressentimento."
O aprendiz pensou alto “É como dizer que estamos no mesmo barco”. Sequencialmente, franziu a testa e fez novo questionamento. "Mas como podemos acessar essa compaixão quando estamos imersos no desconforto?”.
Um olhar de quem já esperava essa indagação se espelhava em Karunamaya, que explicou: “É um processo que começa com a prática da aceitação - não como uma submissão resignada, mas como o entendimento de que tudo é impermanente, assim como eu disse anteriormente. Em complemento, busque não permitir que emoções desfavoráveis o dominem e se esforce para responder às situações com serenidade e clareza de raciocínio. O desconforto te visita e se instala quando você se esquece da primeira Nobre Verdade: Fora daquilo que te pertence, tudo é insatisfação. As ações, reações, e até mesmo experiências dos demais seres não te pertencem. Entregar-se a esse desconforto que você aponta é ligar-se à vontade que a mente não treinada tem de ver as pessoas e suas sensações e exteriorizações se apresentando assim como ela o quer”.
Carla podia perceber nos olhos de Guilherme que este se inspirava na sabedoria do mestre. “Mestre", continuou o discípulo, "e como definir limites com compaixão, enquanto lido com pessoas intransigentes?”.
O velho acolheu a pergunta com um aceno de cabeça e começou a compartilhar:
"Imagine uma situação na qual alguém constantemente ultrapassa seus limites pessoais, seja no trabalho ou em relacionamentos. Você pode praticar uma comunicação não violenta, expressando suas necessidades e sentimentos de maneira clara, assertiva e respeitosa. Por exemplo, poderia dizer: 'Eu me sinto sobrecarregado quando assumo todas essas tarefas sozinho. Seria possível dividir as responsabilidades de forma mais equitativa? Ou: eu me esforço em compreender seus pontos de vista, tentando me colocar sobre seus sapatos, estar em sua pela. Que tal se esta prática ser comum a nós dois?’”.
“Veja, se a pessoa continua sendo intransigente, é importante manter a compaixão em seu coração, mas também reconhecer que você pode precisar tomar medidas adicionais para proteger seu bem-estar emocional e mental. Isso pode incluir estabelecer limites mais firmes, como se afastar da situação ou buscar apoio de outras fontes."
Ambos fizeram silêncio por um instante, o discípulo interiorizando o que acabara de ouvir.
Como fosse ensaiado, os dois se voltaram para a menina Carla que ali continuava, acompanhando cada palavra trocada entre aluno e professor. Sem timidez aparente, a garota dirigiu-se a Karunamaya: “Mestre, eu também posso agir desse mesmo jeito?"
"Minha querida", começou o mestre, "os ensinamentos do Budismo podem ser aplicados por qualquer pessoa, independentemente da idade. Na verdade, a juventude é uma época valiosa para cultivar uma compreensão mais profunda da mente e do coração. Mesmo que com sua juventude você se sinta agitada e cercada de desafios, mantenha em casa a prática meditativa que vem aprendendo conosco no templo e busque colocar atenção concentrada nas atividades do dia-a-dia. Isso significa estar presente no momento presente, seja estudando, conversando com amigos ou realizando tarefas domésticas. É útil cultivar a compaixão por si mesma e pelos outros. Isso significa ser gentil consigo mesma quando cometer erros e também estender essa gentileza aos outros ao seu redor. Quando você age com compaixão, cria um ambiente de amor e bondade a sua volta."
A adolescente sorriu, sentindo-se inspirada pelas palavras.
"Por último", concluiu o mestre, "lembre-se de que a jornada espiritual é um processo contínuo. Esteja aberta para aprender, crescer e se transformar ao longo do tempo. Não há pressa. Apenas continue caminhando com integridade e amor no coração."
O coração de Carla disse a sua mente que, pelo menos naquele dia, não era mais preciso conversar com Dayalu. Dessa forma, agradeceu o mestre e tomou o caminho de casa pensando como explicaria a seu pai o que acabara de aprender no templo.
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